Thursday, November 30, 2006

 

Da uma da noite às oito da manhã


E porque amanhã,os Naifa irão actuar no Teatro Maria Matos... e porque esta foi uma das músicas que neste ano mais soou na minha banda sonora pessoal ...e porque a acho intensa, despojada, sensível... E porque três minutos antes de a maré encher por vezes ficamos presos em "plenas capicuas", sendo-nos dificil sobreviver a um "coração míope".... porque a "verdade apanha-se com enganos"


Da uma da noite às oito da manhã a mulher tem as mãos
Entaladas no parapeito da janela.
O marido agarra o estrado com os olhos
Dorme sem almofada

A empregada que vem passar a ferro
Tem uma intimidade na ficha do despertador
Entra às oito da manhã.

A empregada entala os pés do homem
Nas grades da cama.

Liberta a senhora
Fecha a porta do quarto à chave
Deita-a para uma cascata.

 

Mário Cesariny...





Uma poesia pura, em que cada palavra tem uma carga genuína, fraterna com o sonho e liberdade do mundo interior...




Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.



Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio

nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo:

fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome

porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Tuesday, November 28, 2006

 

Inverno...




" O Inverno é o estação do frio; não só o frio que enregela os animais, mas também o frio de cujo significado profundo e interior nos apercebemos apenas em raros de momento de medo ou de solidão (....) Apesar das carambolas, mochos, águias e aves aquáticas, a poesia do Inverno e sobretudo a poesia da imobilidade e do silêncio"

Parece que chegou mesmo o Inverno...ja tinha saudades...adoro dias extremamente frios e de ceu completamente limpo...os dias que só se conseguem mesmo de Inverno... quando chego a este mês e por ser a estação em que nasci, construo sempre uma rebobina do que se passou e há sempre tanto por fazer....mas como diria Vila-Matas "A vida é demasiado breve para se viver o número suficiente de experiências: é preciso roubá-las..."

A ouvir: The Jesus and Mary Chain " Come On"


Monday, November 27, 2006

 

Sobremesas...



Do Acidente e da Culinária…uma descoberta feita numa das prateleiras do Crew Hassan, que mais uma vez acolheu uma festa do comércio justo no passado Sábado…
Embora nos tenha sido difícil de imediato descortinar o titulo curioso e a intenção do livro, uma coisa é certa….as ilustrações de João Cabaço estão fantásticas…
Esta foi uma das ilustrações, em que a ingenuidade dos traços agarram o olhar…uma enorme mancha negra preenche o espaço, uma mancha em forma de guarda-chuva, em forma de noite, em forma de sombra, em forma de um contraste que muitas vezes e de forma única preenche o que há a preencher…
Do acidente e da culinária…. Ouvi dizer que o talento é uma maravilhosa sobremesa…

A ouvir: Clap your Hands Say Yeah: Over & Over Again (Lost and Found)


Tuesday, November 21, 2006

 

Raios Cúbicos e Rodas Gigantes...





Um cansaço,
um abandono de palavras
simétrico ao desamparo do tempo
por vezes é o que basta

falas-me de réguas ou geometrias variáveis
raios cúbicos
rodas gigantes
e eu não entendo

o meu cérebro prensado como uma tábua de salvação
arrisca dizer que te ama

Estas repousado num girassol que persegue o sol,
Mascaras-te de luz, crias poemas que eu não leio.

A ouvir: Girls in Hawai " The Fog"


 

A Prisão e Paixão de Egon Schiele...


"A esta hora em que a noite é uma seringa partida. A esta hora em que os pulmões são de seda e o sangue circula muito devagar. Eu não estou.

Pode ser a chuva numa esplanada ou, ao invés, o carro que trava o tempo da primavera. Não importa.

A noite é uma especiaria que acende os corpos.

Há três dias que durmo desordenadamente. Transpiro e acordo e vejo casas que são desdobramentos da minha própria casa. A verdade é que preciso de ti para um poema. Preciso que te passeies por uma dessas casas, que te sentes, que te deites. Preciso olhar para ti durante 27 segundos"....

Um dos livros mais bonitos de poesia....Vasco Gato in Prisão e Paixão de Egon Schiele...

 

E perguntou...



"Quem consegue desligar-se do mundo e sentar-se comigo no meio de nuvens brancas?"

Han- Shan in Vagabundo do Dharma



Manhole- Arte de decorar tampas de esgoto

 

Alguns momentos...


Algures no trânsito....

 





Quiz na Barraca...e uma boa amendoa amarga...

 



O pôr de sol do Next-Art...vale bem a pena...bastante inspirador...

 

Uma bela tarde por Aveiro... oves moles e artesanato urbano...

Monday, November 06, 2006

 

1933...


Ano de 1933…

…No ano em que o Parlamento Alemão é incendiado por um louco holandês, em que Adolf Hitlher chega ao poder na Alemanha, em que é criado o avião Boieng 247, e acontece a primeira micareta do mundo em Jacobina Bahia…
… No ano em que o premio Nobel da literatura e paz vão directamente para Ivan Bunin e Norman Angell, em que quase é editada a “Ideologia Alemã” de Marx e Engels…
…No ano em que nasce Siza Vieira, Ary Fontoura e a Yoko Ono…
….Nasce também a 13 de Setembro de 1933, a minha avó…

Quis lhe tirar uma fotografia especial…queria que fosse o mais natural possível e não uma simples postura para a objectiva…mas também não queria apanhá-la desprevenida, como dantes, quando em pequena a apanhava em combinação…eu sempre achei romântico e bonito alguém de combinação; quando olhava para a minha avó, imaginava-a em salões acompanhada de cavalheiros ou então imaginava-a na praia, a banhar-se com tais românticas vestimentas…Acho que nunca tive tempo de lhe explicar o que via…como é óbvio, zangava-se antes de qualquer justificação…
Foi então que no outro dia, ao apanha-la na hora certa, convencia-a à experimentar o espaço com a mão…é a Mão da minha Avó… a mão que protege a objectiva do sol para não queimar a fotografia e que absorve um pouco do seu calor para me dar...

A ouvir: Tom Waits: “I´m still here”

 

E mais uma vez relembrando...


“A luz irrompe em lugares estranhos, nos espíritos do pensamento onde o seu aroma paira sob a chuva; quando a lógica morre, o segredo da terra cresce em cada olhar e o sangue precipita-se ao sol”

Excerto de “A Luz irrompe onde nenhum sol brilha”
In “A Mão ao assinar este papel” de Dylan Thomas

(…) É impossível saber quando cairá o crepúsculo, impossível enumerar todos os casos em que o consolo se fará necessário. A vida não é um problema que pode resolver-se dividindo a luz pela escuridão ou os dias pelas noites, mas sim uma viagem imprevisível entre lugares que não existem. (…)
(…)“ Decido encher todas as minhas páginas em branco com as mais belas combinações de palavras que seja capaz de engendrar. E depois, porque quero assegurar-me que a vida não é absurda e não me encontro só sobre terra, reúno-as todas num livro e ofereço-o ao mundo. Este, retribui-me com a riqueza, a glória e o silêncio. (…)
Faça o que fizer, poderia muito bem fazer outra coisa. Não é isso que importa. Importa é saber-se livre como qualquer outro elemento da criação. Importa é saber-se um fim autónomo, que repousa em si mesmo como uma pedra sobre a areia (…)
(…) Mas onde está hoje a floresta na qual o ser humano prove de que pode viver livre, e não limitado pelos rígidos moldes da sociedade? Sou obrigado a responder: em parte alguma. Se desejo ser livre, é por enquanto necessário que o faça no interior desses moldes. Sei que o mundo é mais forte do que eu. E para resistir ao seu poder só me tenho a mim. O que já não é pouco. Se o número não me esmagar, sou, também eu, um poder. E enquanto me for possível empurrar as palavras contra a força do mundo, esse poder será tremendo, pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior do quem se bate pela liberdade. E no dia em que só o silêncio me restar como defesa, então será ilimitado, pois gume algum pode fender o silêncio vivo. Este é o meu único consolo. Sei que as recaídas no desespero serão profundas e numerosos, mas a lembrança do milagre da libertação leva-me como uma asa a um fim que me inebria: um consolo que seja mais do que apenas isso, e mais vasto que uma filosofia: que seja, enfim uma razão de viver.”

IN
“A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer”
Stig Dagerman

A ouvir: dEUS- “Serpentine”


Saturday, November 04, 2006

 

Onde a poeira se mistura com o sal...


Do mar…acredito que no profundo do mar, onde a poeira se mistura com o sal, existam cortinados entre os corais, cortinados que os separam para dar intimidade aos maiores espaços de amor que existem…de lá nascem incontáveis e prodigiosos organismos que permanecem para sempre na ternura e carinho das águas.

A ouvir: Morphine " Take me with you"

 

Esculpir Imagens...

Agora em que as cordas conseguem ser castelos o som torna-se mais forte.
O céu está extremamente azul, hoje não consigo fazer esculturas com as nuvens.
O chão está fresco e uma aragem beija-me a face....

....Sente o vento empurrar as nuvens
Dança com elas
Deixa arrastar o corpo no seu sopro
Convive com ele e ao desenhares no céu
Aproveita e esculpe imagens
Experimenta os seus estilhaços
Sente o voo apertado faminto de qualquer luz
Parecido contigo e com outrem que descarrega em ti
A presença de um outro ser...



A ouvir: Russ Columbo "Guilty"

Friday, November 03, 2006

 

FERLOSCARDO

FERLOSCARDO
Novo Circo-Ribatejano

A fuga e encontro de luzes…seis lâmpadas suspensas que se cruzam infinitas vezes sem se encontrarem…sensível, cativante, mágico…um cenário compassado por hábeis tons de musica que intimamente acompanham os movimentos dos corpos e a criação de espaços…ora iluminados…ora presentes na memória e alimentados na nossa imaginação…
Gostaria de saber definir e expressar melhor todas as sensações experimentadas…mas é mesmo complicado adjectivar algo quando nos surpreende ao fazer crescer as nossas percepções…é mesmo
Obrigatório ver….
Um conceito, criaçao e execução de Fernando Romão e Carlos Oliveira; Direcção musical de Bruno Pernadas; Música - Bruno Pernadas, David Leitão, Ricardo Ribeiro e João Correia

A ouvir: Orquestrinha do Terror ;)




 

E relembrando....


Relembrando e agradeçendo...há de factos homens que nos ensinam a pensar...


"Meço-me
Contra uma árvore alta.
Acho que sou muito mais alto,
Pois chego mesmo até ao sol,
Com os meus olhos;
E chego à praia do mar
Com os meus ouvidos.
Todavia não gosto
De modo como as formigas rastejam
Para dentro e para fora da minha sombra."

In Ficção Suprema
Wallace Stevens


Distracções de Doente


"Por vezes, quando me sinto em baixo e, sempre sozinho na cama, presto-me homenagem com a mão esquerda. Para que ela mexa tenho de forçá-la um pouco. Mas desde que começa, continua com um natural desejo de agradar-me. São tantas as genuflexões e graciosidades que me dirige, que até mesmo um terceira pessoa ficaria comovida."

In
As Minhas Propriedades
Henri Michaux


"Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos purifica. Afasta o espírito do que é supérfluo e inútil; e o corpo reencontra a harmonia perdida- entre o homem a terra.
O viajante aprendeu, assim a cantar a terra, a noite e a luz, os astros, as águas e a treva, os peixes, os pássaros e as plantas. Aprendeu a nomear o mundo.
(….)
E enquanto acelerava o passo, descobri que a calma nem sempre tem força para construir um destino, não põe a vida em movimento.
(…)
Há homens com quem se pode aprender a ver aquilo que dentro de nós existe e não sabíamos.
Reconhecêmo-los pelo olhar. Quando se aproximam a noite reflecte-se clara nos seus rostos. Têm gestos lentos, precisos, como os dos deuses marinhos que habitaram, além do mar rente à ilha."

In
Anjo Mudo
Al Berto

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